29.11.06

Os leitores existem mesmo

Quem é jornalista (como eu) sabe que quem está do outro lado do texto é o leitor. É para ele que escrevemos. É com ele que nos preocupamos. Sempre.
Quem se arrisca a ser poeta (como eu) duvida, quase sempre, que possa haver alguém do outro lado do texto. E esse leitor para quem escrevemos é praticamente fictício, mais um sonho, apenas. Mas existe.
Fico surpresa de às vezes achar alguns poemas meus em blogs de pessoas que nem conheço, no Brasil e em Portugal, principalmente. Além de quem se deu o trabalho de divulgar graciosamente meus poemas (em geral retirados do sites de conhecidos meus ou da minha página na internet, cujo link está na coluna à direita), há os comentários dos leitores, que também nem posso imaginar quem sejam e, sem saber, alimentam aos poucos a esperança de que minhas palavras não sejam em vão e possam alcançar outras sensibilidades. Pelo menos as que vivem na mesma "freqüência" que eu.
Isso tem a doçura de um afago.
Relaciono, aqui, alguns desses blogs. O primeiro é minha "descoberta" de hoje:
http://barcosflores.blogspot.com/2006/11/do-falar-poesia-57.html,
http://stylos13.zip.net/arch2006-06-25_2006-07-01.html,
http://stylos13.zip.net/arch2006-07-09_2006-07-15.html,
http://beatrizgalvao.wordpress.com/2006/10/10/decima-estacao/#comments,
http://isla_negra.zoomblog.com/archivo/2006/06/22/
http://fotolog.terra.com.br/talisandrade:493.

Amoras bravas no poesia.net


Poucos brasileiros, muito infelizmente, conhecem o Eugénio de Andrade (de quem já publiquei a foto com um de seus gatos num post mais abaixo). O poeta português, que morreu no ano passado (ao lado numa gravura a nanquim de Jorge Ulisses, intitulada Duplo Retrato, de 1980), é o destaque desta semana no boletim poesia.net do site ave, palavra!, do meu querido amigo e também belo poeta Carlos Machado. Esse site, aliás, publica o que de melhor se faz em poesia de língua portuguesa, além de trazer ótimas traduções. Vale a pena acessá-lo. A apresentação do boletim foi escrita por mim. Passem por lá para ler dez poemas e saber mais sobre Eugénio... Lirismo puro.

26.11.06

Escolhas

Na quarta-feira, dia 22, o Anibal Cristobo, dono do blog asescolhasafectivas publicou três poemas meus. Ele vem realizando uma verdadeira antologia de novos poetas brasileiros online e muita gente boa já está lá. É assim: cada poeta indica outros cinco, que indicam outros cinco... E por aí vai. O painel é plural, evidentemente, mostrando as diversas vertentes da poesia atual. Vale a pena dar uma clicada aí em cima para conferir.
E hoje adotei um gatinho lindo, de apenas dois meses (aguardem fotos), cinza, de olhos verdes, o Omar Khayyam ou Khayyam para os íntimos. Ele vem fazer companhia a duas "mocinhas" de 4 anos - a Kiki e a Anaïs, ambas siamesas morenas de olhos azuis. Todos em breve nesta página.

17.11.06

O gato do Eugénio




Era azul e tinha os olhos de deus,
e meu pequeno persa
- agora rente ao chão onde iria?,
a voz quebrada,
o peso da terra sobre os flancos,
a luz deserta na pupila.



(Eugénio de Andrade, Os Dóceis Animais)
A foto acima foi furtada de algum site de que já não me lembro. Está impressa e em destaque no meu escritório. Adoro gatos (moro com duas, a Kiki de Montparnasse e a Anaïs Nin). Adoro o poeta português Eugénio. Portanto, aqui, esta homenagem é múltipla.

9.11.06

Noite de Verão - 1


Sensual
sangüínea
silenciosa

a lua pulsa
misteriosa

ó lua cítrica
pequena e bela
hoje despida
de seus brilhantes

boca vermelha
falando nuvens
e o alfabeto
das madrugadas

discreta dança
a sua música
caliente luna

singrando a treva

quase translúcida
em sua túnica
quase escondida
em sua esfera

insinuante
âmbar celeste

lua madura
serena e pura
nave do verso.
(Do meu livro Inventário da Solidão, ed. Giordano, 1998)

Mostra Internacional de Literatura

Daqui a uma semana, no dia 17, começa a 1ª Mostra Internacional de Literatura - Poesia & Prosa Diadema - Território Livre da Palavra, promovida pelo Grupo Palavreiros com a Secretaria Municipal de Educação, a Faculdade de Diadema e o Projeto Círculos de Leitura do Instituto Fernand Braudel. Muita gente boa já confirmou presença no evento, que vai até o dia 30. No dia 29, às 20 horas, farei uma leitura, ao lado de Eduardo Lacerda, Elisa Andrade Buzzo e Vanessa Almeida. Para ver a íntegra da programação, visite: http://www.palavreiros.org/mostradeliteratura.htm.

6.11.06

Cecília Meireles (7/11/1901 - 9/11/1964)


Já faz 105 anos nascia no Rio de Janeiro uma das vozes mais altas da lírica de língua portuguesa. No entanto, é ainda tão contemporânea e, para mim, sempre presente. "Guia" de viagem (com o perdão do trocadilho) pela literatura desde minha adolescência, mestra absoluta da Poesia, viajante das mais surpreendentes paragens oníricas e inteligência lúcida de seu tempo (ainda a iluminar quantos se dispuserem a ler suas crônicas de educação), Cecília (acima em foto publicada pela revista Manchete em 1963) está hoje aqui, com este poema, escrito em abril de 1964, quando o "coche fúnebre" já se aprestava para ir buscá-la.

VÔO

Alheias e nossas
as palavras voam.
Bando de borboletas multicores,
as palavras voam.
Bando azul de andorinhas,
bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Voam as palavras
como águias imensas.
Como escuros morcegos
como negros abutres,
as palavras voam.
Oh! Alto e baixo
em círculos e retas
acima de nós, em redor de nós
as palavras voam.

E às vezes pousam.
(in Dispersos, Poesia Completa, vol. II, Ed. Nova Fronteira, 2001)

2.11.06

Por que estamos infelizes

Recomendo a todos o excelente artigo de Olgária Mattos no site Carta Maior.

Quando eu não mais estiver na Terra

Aqui a natureza chora por todos os mortos. Lembro-me das ausências mais próximas. Faço silêncio por elas. Meus avós, uma tia, meus escritores queridos. Entre eles, a saudosa Hilda, de quem transcrevo o poema abaixo.

XXI

Não te machuque a minha ausência, meu Deus,
Quando eu não mais estiver na Terra
Onde agora canto amor e heresia.
Outros há de ferir e amar
Teu coração e corpo. Tuas bifrontes
Valias, mandarim e ovelha, soberba e timidez

Não temas.
Meus pares e outros homens
Te farão viver destas duas voragens:
Matança e amanhecer, sangue e poesia.

Chora por mim. Pela poeira que fui
Serei, e sou agora. Pelo esquecimento
Que virá de ti e dos amigos.
Pelas palavras que te deram vida
E hoje me dão morte. Punhal, cegueira

Sorri, meu Deus, por mim. De cedro
De mil abelhas tu és. Cavalo d'água
Rondando o ego. Sorri. Te amei sonâmbula
Esdrúxula, mas te amei inteira.


(Hilda Hilst, in Poemas Malditos, Gozosos e Devotos, Massao Ohno-Ismael Guarnelli, 1984)

1.11.06

Apresentação



Depois de meses considerando ter ou não um blog e apesar de ter ficado mais algumas semanas em dúvida depois de ler um texto delirante do sr. Furio Lonza sobre os bloggers no número mais recente da revista de poesia e cultura Sibila, decido começar num dia 1º, tarde de fortes chuvas ao piano de Ravel. Decido escrever porque gosto de dialogar e, sobretudo, porque sou livre. No entanto, peço paciência aos que me lêem: é que a voz para esta novíssima experiência ainda não se desatou - e acho que isso vai ocorrer aos poucos. Vai ocorrer no decorrer das coisas. Enquanto a noite não vem - que é quando os pensamentos e a linguagem tomam conta do meu ser essencial, pedindo aí desculpas pela redundância -, deixo nestes primeiros "posts" alguns momentos poéticos, raros na grande algaravia cotidiana, pois fazer (poiesis é não só criar, mas fabricar) não é tão simples como tantos imaginam. Nem falar. Não se pode sair por aí atirando palavras como se fossem dardos sem rumo. Acho que o leitor atual está cansado de ser atingido à queima-roupa - basta ler os jornais ou ligar a TV. Então, este blog começa sob o signo da delicadeza, como as notas deste poema musical Oiseaux Tristes, que deslizam agora pelo ar.
EXPLICAÇÃO
Escrever, talvez,
para si mesmo

para compreender os mistérios
que em cada ser se acorrentam
elo por elo

poço sem fundo
poço sedento

talvez para o vento
agradecendo a música

para que a morte
seja mais intensa
e menos dura
para não morrer
feito uma pedra escura.
(Do meu livro Inventário da Solidão, ed. Giordano, 1998)