17.7.09

Boa leitura (29) - Obcecados pela própria morte


Vila-Matas põe o suicídio no centro da trama

O livre-arbítrio do homem para morrer pelas próprias mãos, a morte vista como ação afirmativa, o planejamento para que o suicídio seja bem-sucedido, os prós e contras de tal atitude analisados com frieza. Tal obsessão com o assunto pode levar a sérios transtornos psíquicos e, é claro, à morte; no entanto, transforma-se em matéria valiosa para um escritor altamente talentoso como o catalão Enrique Vila-Matas.

Irônico, mas lírico; ligeiramente cômico, mas certeiro na profundidade filosófica; dotado de uma imaginação excepcional, mas fino observador da psicologia humana — essas são algumas características de Vila-Matas, autor também dos excelentes “Bartleby e Companhia” e “O Mal de Montano” — que contemplam o fazer literário, o primeiro sobre escritores famosos ou imaginários que por um motivo ou outro desenvolvem um bloqueio para escrever e o segundo sobre um crítico seriamente obcecado por literatura, a ponto de não conseguir sobreviver fora de seu âmbito.

Este “Suicídios Exemplares”, lançado na Espanha em 1991 e o quinto livro dele a sair no Brasil — além dos já citados, a Cosac publicou “A Viagem Vertical” e “Paris não Tem Fim” —, “é um Vila-Matas em estado puro”, segundo ele próprio. “É um livro respeitado até por meus inimigos”, garante o premiado escritor em entrevista reproduzida no seu site.

O tédio, a paixão não correspondida, o medo de se expor, a sensação de fracasso, a vontade de desaparecer e, principalmente, de mudar de vida, são os fios condutores das dez narrativas, em que os personagens cogitam se matar de várias formas, incluindo as mais delirantes — da bala na cabeça ao uso de uma parafernália instalada numa cripta para captar um raio durante uma tempestade e ser fulminado por ele; do salto de torre à explosão dentro da catedral de Barcelona.

Na maioria dos casos, porém, acabam não se matando por obra do acaso (o mais engenhoso, que planejava ser atingido pelo raio, morre de ataque cardíaco pouco antes de se matar). A desistência também tem seu peso. Ela já aparece, por exemplo, no primeiro conto, passado em Lisboa, no qual um homem decide aguardar pelo tempo que for necessário o dia de morrer, “praticando a saudade” diante do horizonte, “sabendo que à morte lhe cai bem a tristeza leve de uma severa espera”.

Como bem observa o escritor Alan Pauls sobre o livro, o que na verdade se revela a Vila-Matas é a possibilidade do suicídio, “essa faísca de mistério regozijante com a qual o projeto de um morrer original, ou tortuoso, ou sofisticado, ou cruel, acende uma vida apagada e a faz reviver, tornando-a tensa de energia, excepcional, apaixonante”.


“Suicídios Exemplares” - Enrique Vila-Matas - Cosac Naify, 208 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 29/5/09