29.5.09

Boa leitura (24) - Um jovem catalão em Paris


O fascínio que Paris exerce sobre artistas e escritores não tem fim. O catalão Enrique Vila-Matas (ao lado no "exílio" parisiense, em 1974, imagem pinçada de seu site) também não ficou imune a essa sublime obsessão. Seu início de carreira na capital francesa faz o deleite dos leitores neste autobiográfico “Paris não Tem Fim”, título roubado de um capítulo de “Paris É uma Festa”, escrito por um ídolos de juventude do escritor, Ernest Hemingway. Nessas memórias, publicadas depois de seu suicídio, o americano escreve sobre o período em que também lá viveu, quando era “muito pobre e muito feliz”. Irônico, Vila-Matas resolveu escrever sobre seu auto-exílio de dois anos, na década de 1970, quando “era muito pobre e muito triste”.

A ironia, aliás, é a tônica da obra, construída na forma de uma conferência de três dias. Nela, o escritor nascido em 1948 em Barcelona conta como vivia no sótão que alugou na casa de Marguerite Duras, para onde levou escrivaninha, cadernetas, dois lápis, um apontador e uma máquina de escrever, pronto a compor o livro “A Assassina Ilustrada”.

A própria água-furtada tem certo charme histórico: antes dele, abrigou um travesti chamado Amapola, uma atriz búlgara e até o futuro presidente francês François Mitterrand, que se refugiou lá por uns dias, durante a Segunda Guerra. O protagonista pode viver da mesada do pai, mas freqüenta festas, cafés e reuniões com muita gente do meio intelectual e artístico local, sejam franceses ou estrangeiros. Muitos lhe vêm por meio de Marguerite, que, aliás, põe nas mãos do rapaz uma apostila sobre como escrever um bom romance que ele tem dificuldades em seguir à risca. Esforça-se não só para se tornar um escritor, mas para viver como um deles e relata que, ridiculamente, fazia pose de intelectual, fingindo ler, à mesa dos cafés da Rive Gauche, obras importantes e de autores malditos.

Trata-se de um “escritor de escritores e sobre escritores”, como bem observa Cassiano Elek Machado na apresentação da obra. Basta ler os altamente recomendáveis “Bartleby e Companhia” e “O Mal de Montano”, também publicados pela Cosac Naify. Autor de 17 livros e detentor de prêmios literários importantes, como o Ciudad de Barcelona (2001), o Médicis (2003) e o da Real Academia Española (2006), Vila-Matas continua fiel a Paris, que visita entre quatro e cinco vezes por ano.

Em recente entrevista, ele contou que durante muito tempo ficou longe da cidade, mas agora recobrou a Paris que havia perdido, assim como a juventude, ao dedicar-se a este livro. “Foi uma grandíssima idéia ironizar minha juventude. O livro me foi de uma utilidade imensa, porque consegui resolver todo problema de frustração ou de nostalgia. E, mais que isso, eu e Paula de Parma [sua mulher] sempre planejamos viver em Paris. Quando estamos lá, nos sentimos em casa. Tenho a sensação de jamais ter me mudado dessa cidade.”


“Paris não Tem Fim” - Enrique Vila-Matas - Cosac Naify, 248 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 29/2/2008