28.3.09

Boa leitura (19) - Nooteboom no país da alma


Espiritualidade permeia romance do holandês

A busca da humanidade ancestral, a perda da inocência, a solidão individual, o exorcismo de demônios interiores, o ceticismo e, perpassando a história, a figura do anjo e os versos do 12º canto do poema “Paraíso Perdido”, de Milton, aquele em que Adão e Eva são expulsos do Éden. Esses são os principais ingredientes deste novo romance de Cees Nooteboom, um dos mais importantes escritores holandeses da atualidade, que tem como cenário Brasil, Austrália, Holanda e Áustria

As protagonistas são duas brasileiras da alta burguesia, Alma e Almut (nomes bem sugestivos, irmãos na raiz), descendentes de alemães e moradoras dos Jardins, em São Paulo. Amigas desde a infância, embora de temperamentos bem diferentes, estudiosas de história da arte e interessadas na representação de anjos, viajadas, acalentam há anos o sonho de conhecer os aborígenes australianos. A decisão de ir, para “esconjurar um demônio”, ocorre depois de um acontecimento grave: o estupro de Alma nos arredores da favela de Paraisópolis (o paraíso no topônimo, mas representando um lugar infernal).

Assim, as duas partem e passam por várias aventuras atravessando os desertos, realizando trabalhos esporádicos para sobreviver, sem, no entanto, encontrar o povo místico que esperavam. Há um terceiro personagem fundamental: o crítico literário cético quase cinquentão Erik Zontag, convencido por sua namorada 18 anos mais jovem, aliás chamada Anja, a passar uma temporada num spa nos alpes austríacos para se livrar do alto consumo de álcool e ficar em forma. Lá ele reencontra alguém familiar, que em Perth, na Austrália, estava vestido de anjo numa performance teatral durante uma festa literária.

A trama, muito bem amarrada, mostra também que Nooteboom é “um estilista cuidadoso da prosa, com notável inclinação filosófica”, como sintetizou outro grande escritor contemporâneo, o sul-africano J.M. Coetzee, Nobel de Literatura de 2003.

Nascido em 1933 em Den Haag e eterno viajante, Nooteboom é também poeta, dramaturgo, tradutor e autor de relatos de viagem. Já esteve no Brasil várias vezes — em São Paulo, Manaus, Brasília e no Rio. Em julho, foi uma das estrelas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

“Paraíso Perdido” - Cees Nooteboom - Companhia das Letras, 160 págs., R$ 36,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 6/6/2008 e atualizado para o blog