13.7.09

Boa leitura (28) - À escrivaninha com Manguel

Novos ensaios do autor argentino-canadense

Manguel, ao lado, em foto de Philippe Matsas: “O mundo é uma biblioteca de signos, um arquivo de textos misteriosos, uma galeria de imagens incitantes”

Foi, com certeza, ao percorrer as extensas prateleiras na solidão noturna de sua biblioteca — erguida a partir do muro de um antiquíssimo celeiro numa aldeia francesa — que o escritor argentino naturalizado canadense
Alberto Manguel mergulhou em reflexões e elaborou as considerações deste “À Mesa com o Chapeleiro Maluco — Ensaios sobre Corvos e Escrivaninhas”.

Os 27 textos foram possivelmente escritos de manhã, como é seu costume, revelado em “A Biblioteca à Noite”, de 2006, ano, aliás, em que publicou também estes ensaios sob o título “Nuevo Elogio de la Locura”, numa alusão à obra do filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1466-1536), para quem a loucura é “o alegre extravio da razão”.

A “loucura” tratada por Manguel, porém, nada tem a ver com a que foi analisada pelo pensador medieval e a primeira pista são as epígrafes e ilustrações dos ensaios, grande parte retirada de “Alice no País das Maravilhas” e “Alice através do Espelho”, de Lewis Carroll. Ela está ligada à mais pura criatividade artística, ao mundo onírico, ao nonsense, à literatura — tudo isso organizado pelo que chamamos de cultura —, embora o prefácio, feroz, convide o leitor à lucidez diante do mundo atual — com seu consumismo desenfreado, a destruição ambiental, a corrupção política, o fanatismo religioso e tantos outros problemas.

Há, ainda, outros dois ensaios — “Como Pinóquio Aprendeu a Ler” e “A Aids e o Poeta” — nos quais, ao tratar de seu tema preferido, a leitura, o autor aborda, no primeiro, questões educacionais e, no segundo, a doença, a crueldade e a ganância capitalista.

De resto, retoma temas que fizeram o deleite de muitos leitores em “Uma História da Leitura” (1996), “Os Livros e os Dias” (2004) e “A Cidade das Palavras” (2007), entre eles uma história do ponto final e outra da página. Discute, ainda, assuntos como genialidade, ambição, sucesso, falsificações literárias — a começar por um poema “em estilo abominável” atribuído a Jorge Luis Borges que até hoje circula pela internet — e dedica textos aos escritores que admira desde sempre, como Júlio Verne, Robert Louis Stevenson, Conan Doyle, H.G. Wells, Richard Burton e Alejandra Pizarnik.

A “leitura” da obra de Van Gogh e a da impressionante catedral da Sagrada Família, em Barcelona, projetada por Antoni Gaudí, também ocupam algumas páginas. Afinal, segundo Manguel, “tal como o reconhecemos desde o momento em que nascemos, o mundo é uma biblioteca de signos, um arquivo de textos misteriosos, uma galeria de imagens incitantes, algumas arbitrárias ou casuais, outras deliberadamente criadas, que sentimos dever decifrar e ler”.


“À Mesa com o Chapeleiro Maluco” - Alberto Manguel - Companhia das Letras, 248 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 19/6/09