13.5.08

Sensibilidade à flor do ensaio


Fico eternamente grata ao poeta mineiro Alexandre Bonafim, que ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente. O moço, que também é professor universitário, gostou do meu "Inventário da Solidão" e escreveu um ensaio muito profundo sobre o livro, no qual não só mostra seu conhecimento de literatura, mas, acima de tudo, sua sensibilidade poética. Bonafim reproduziu o texto no seu blog, no sábado, dia 10. É de envaidecer qualquer cristão e não-cristão também... Vejam lá e morram de inveja! Uma pessoa assim só poderia criar bons poemas. Portanto, não deixem de ler a poesia dele, igualmente publicada no blog. Guardem entre os favoritos!!!

Boa leitura (3) Romance à moda francesa

Alta cultura domina "A Elegância do Ouriço"

Fenômeno editorial na França, onde já teve cerca de 850 mil exemplares vendidos, não seria preciso dizer que “A Elegância do Ouriço” é um romance cativante, daqueles que o leitor não consegue largar.

Seu charme reside na mistura de filosofia e literatura, no questionamento sobre o sentido da vida e a importância da arte, da música e do cinema para as pessoas de todas as classes sociais – embora, aqui, se trate de alta cultura. A autora, que é também professora de filosofia na Normandia, acaba compondo um retrato do modo de vida na França atual, que abrange preconceitos sociais, imigração, falta de perspectivas da juventude, ironizando, com humor, as idéias feitas, os lugares-comuns.

A história é narrada do ponto de vista de Renée Michel, zeladora cinqüentona de um palacete de apartamentos no número 7 da rue de Grenelle, em Paris, endereço que abriga gente rica e tradicional, e da garota Paloma Josse, de 12 anos e meio, almas gêmeas de classes diferentes, que acabam se aproximando cada vez mais no decorrer da trama, principalmente depois que se muda para o local um rico japonês, Kakuro Ozu, quebrando as rígidas convenções sociais dentro do condomínio.

Renée não é uma simples zeladora, apenas finge. Leva uma vida dupla: aquela em que aparece como o estereótipo da concierge – ignorante, feia e mal-humorada – e a outra, vivida longe dos olhos dos moradores e ao lado do gato, Leon – a de ávida leitora de grandes autores, sendo o maior Leon Tolstoi, fã de Mozart, da pintura holandesa e, em especial, de cinema japonês. De infância pobre e sofrida, verdadeira autodidata, ela não quer que descubram quanto é inteligente e informada.

Já Paloma é uma adolescente rica, filha de pai político, mãe doutorada em Letras, que se diz socialista e há dez anos vive à base de antidepressivos, e uma irmã que estuda filosofia, arrogante e esnobe como a maioria dos moradores. Superdotada, a menina também faz de tudo para esconder sua inteligência. O motivo? Para não lhe obrigarem a um destino convencional.

Cética e desencantada, é uma verdadeira filósofa de plantão (um personagem um tanto quanto inverossímil pela, digamos, maturidade de seus pensamentos em tão tenra idade), mantendo um “Diário de Pensamentos Profundos” e um “Diário do Movimento da Vida” – um destinado às questões do espírito; outro, aos do corpo. Resolveu escrever os diários com um objetivo: deixar registrado o que pensa até o dia de seus 13 anos, quando pretende pôr fogo no apartamento e se suicidar. Como a zeladora, demonstra fascínio pela cultura japonesa – lê mangás e cita haicais e tankas.

Nascida em Bayeux, na Normandia, em 1969, Muriel Barbery cursou a célebre École Normale Supérieure de Paris. Estreou na literatura em 2000, com o romance “Une Gourmandise”. “A Elegância do Ouriço” foi lançado na França em agosto de 2006 e em poucos meses se tornou um best-seller. Já em janeiro de 2007 a jovem cineasta Mona Achache, de 26 anos, comprou os direitos de filmá-lo, um projeto que está em andamento.


“A Elegância do Ouriço” - Muriel Barbery - Cia. das Letras, 352 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 7/3/2008

10.5.08

Boa leitura (2) Sob a bênção do samba



Quando se pensa que já nada mais há no “baú de raridades” da bossa nova, neste ano em que se comemoram seus 50 anos, eis que “aparecem” estes textos, inéditos em livro, de Vinicius de Moraes, que, seja bem dito, não trata só do movimento do qual ele foi um dos mais importantes protagonistas, mas de música brasileira no geral e carioca, em particular. Erudita ou não, com destaque, como o título já indica, para o samba – cuja história, aliás, o poeta de “Samba da Bênção” e tantos outros sucessos conhecia em detalhes, contada da boca de sambistas “da gema”, como Pixinguinha (este seu ídolo) e Almirante.

Mas não se trata de simples crônicas – no sentido que o gênero tomou ao longo do tempo, praticado pelo próprio Vinicius em outras ocasiões. Os textos deste livro, escritos entre as décadas de 1950 e 1970 e publicados em revistas e jornais como o “Última Hora” e o “Pasquim”, são mais depoimentos, declarações de amor à música e a alguns compositores e intérpretes, do que crônicas.

O compositor e poeta tem um jeito de narrar que chama o leitor à intimidade e às revelações. Sim, como num bate-papo entre amigos, já agora carregado de nostalgia, porque se dá num Rio, digamos, aprazível, mais tranqüilo e pacífico, muito diferente da cidade atormentada pela violência que aparece hoje nos noticiários.

São 53 as crônicas, pinçadas do arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa por Miguel Jost, Sergio Cohn e Simone Campos e reunidas em cinco partes: “No Meu Tempo Era Assim...”, “Diz-Que-Discos”, “Duas Cartas e um Testemunho”, “Bossa Nova” e “Retratos e Outras Bossas”. Entre elas, destacam-se “O Samba É Carioca e não Nasceu no Morro”, uma história do gênero; “Carta ao Lúcio Rangel”, uma defesa ardorosa de sua parceria com Tom Jobim e também da bossa nova; “SP não É mais o Túmulo do Samba” – aliás, vocês sabiam que essa definição era dele? -; “O Que É Bossa Nova”, “Elizeth no Municipal”; “Ciro Monteiro”.

Na verdade, será difícil para qualquer fã de Vinicius e de boa MPB escolher. Lá estão os relatos sobre as primeiras parcerias com Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra e Toquinho; João Gilberto, é claro; o dia em que conheceu o que viria a ser o Quarteto em Cy; e depois os novos que foram formando a enorme constelação de talentos musicais brasileiros do século XX, entre outros assuntos.

A bossa nova faz 50 anos. Vinicius festejou o cinqüentenário do samba, em 1969, quando falava a respeito do IV Festival Internacional da Canção. “De Pixinguinha a Francis Hime, 50 anos se passaram em que, como despreocupados mas atentos atletas de uma longa maratona, foram todos esses grandes passando de um para outro a tocha viva do samba”, escreveu. “O samba ficou do balacobaco e depois da pontinha, para hoje tornar-se, com o advento da bossa nova e da moderna música popular, tal como a praticam Edu Lobo, Dori Caymmi, Francis Hime, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Egberto Gismonti, no fino do som, no superquente, no cheio de plá.”

Para terminar, o livro traz a letra de “Samba da Bênção”, incluindo as falas do poeta em homenagem aos seus músicos e compositores queridos. A elas agora se pode acrescentar mais uma de seus ouvintes: “A bênção, Vinicius!”


“Samba Falado – Crônicas Musicais” - Vinicius de Moraes - Azougue, 200 págs., R$ 36,90

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 25/4/2008

9.5.08

Flagrante no meu escritório


Boa leitura

A partir deste mês, reproduzirei aqui algumas resenhas que venho escrevendo desde fevereiro de 2007 para compartilhar com vocês alguns livros que acho muito interessantes. Vai ser uma publicação meio de trás para diante, porque inicio com a última estampada no "Valor", no dia 2. Fala de uma escritora que me acompanha desde os primeiros momentos de minha adolescência, quando eu estava descobrindo a boa literatura. Lamento não ter tido tempo para conhecê-la pessoalmente (morávamos a 300 km de distância e ela morreu quando eu tinha acabado de completar 16 anos...) - a grande e insuperável Clarice Lispector. Vejam abaixo.

Boa leitura (1) Um encontro mágico com Clarice

Fotobiografia monumental refaz vida da escritora

Dá para contar nos dedos de uma mão o número de fotobiografias de escritores publicadas no Brasil – não entram na conta os “Cadernos de Literatura Brasileira” do Instituto Moreira Salles, que têm outro formato. O que já se publicou? Nos anos 1980, a Edições Alumbramento lançou três volumes que contemplavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Mário de Andrade. Mas quem acha tais obras em alguma livraria? Mais recentemente, a Planeta lançou “Borges – Uma Biografia em Imagens”, de Alejandro Vaccaro. E só.

Pois quem ama literatura brasileira acaba de ser presenteado com a melhor fotobiografia já publicada no Brasil – a de Clarice Lispector (1920-1977), da biógrafa e pesquisadora Nádia Battella Gotlieb, autora também de “Clarice, uma Vida Que se Conta” (Ática, 1995, edição esgotada), resultado de sua tese de livre-docência na Universidade de São Paulo. O que se vê agora, no novo trabalho dessa especialista, é “um outro retrato de Clarice”, com “enfoque de singularidades”, como diz Nádia na apresentação.

Seu trabalho de pesquisa é algo monumental. São cerca de 800 imagens, muitas inéditas, em que se recupera a vida da grande autora de “Perto do Coração Selvagem”, “A Paixão Segundo G.H.” e “A Hora da Estrela”, entre outros. Mas não pensem que é um livro com 800 fotos só de Clarice, embora ela tenha sido bastante fotografada, mesmo tendo fama de arredia, tímida ou “esquisita”. Não. Nádia refez a trajetória de sua biografada em detalhes, visitando os locais onde ela viveu não só no Brasil (Maceió, Recife e Rio) como no exterior (Itália, Suíça, Inglaterra Estados Unidos), acompanhando o marido diplomata, Maury Gurgel Valente. Esteve também na aldeia de Tchetchenilk, na Ucrânia, onde Clarice nasceu, quando a família estava no início de seu caminho rumo ao Brasil.

Nesse trabalho para lá de minucioso de recuperação de uma história de vida, Nádia também localizou – e reproduz – dezenas de imagens dos antepassados da escritora e seus parentes (imigrados ou não). Some-se a isso grande quantidade de manuscritos, datiloscritos, cartas, reprodução de recortes de imprensa de e sobre Clarice.

Todo esse material – distribuído em 13 capítulos em ordem cronológica - vem acompanhado de legendas claras e objetivas por meio das quais o aficionado pela obra clariciana acaba por mergulhar na sua intimidade, tendo com ela “encontros mágicos”, e sai de lá mais fascinado.

“Esses encontros mágicos podem ocorrer a partir de algumas transcrições de textos seus, ou de modo mais sutil, em cada detalhe gráfico: certas paisagens, pedaços de cidades, pessoas sós ou em grupo, na caligrafia de certas cartas e dedicatórias, em espaços interiores, em papéis desgastados pelo tempo, ora em sépia, ora voluntariamente rasgados, sinais gráficos do que existiu, como são também sinais os registros de passeios, posturas de corpo, olhares, gestos”, escreve a pesquisadora.

Ao fim do volume, há um caderno de 165 páginas, das quais 65 Nádia dedicou a notas com detalhes das imagens. O restante desse caderno traz 52 páginas de cronologia (vai de 1885, data do nascimento do pai da escritora, a 2007), referências bibliográficas, bibliografia de e sobre Clarice, a relação dos arquivos e fontes consultados, os créditos das imagens e os agradecimentos.

Depois de tudo isso, surpreendentemente, o assunto não está esgotado, de acordo com Nádia. “Não me detive, como gostaria, no registro documental visual de toda a bibliografia de Clarice e de sua fortuna crítica”, afirma. “Selecionei alguns registros, abdicando de todos os outros, por não considerar viável a reprodução de excessiva quantidade de imagens de jornais e revistas em que aparecem textos de Clarice e de outros, que dela tratam.” O resultado dessa constatação é promissor: “Esse material merece integrar outra publicação, a ‘Fotobibliografia de Clarice Lispector’, em preparação.” Os leitores só têm que agradecer.

“Clarice – Fotobiografia” - Nádia Battella Gotlieb - Edusp/Imprensa Oficial, 656 págs., R$ 90,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 2/5/2008

1.5.08

Luzes no Asfalto

Meu novo amigo Marcelo Martorelli Vessoni acaba de fundar a Luzes no Asfalto Editora, voltada para a publicação de escritores desconhecidos e com um esquema de distribuição alternativo. O lançamento dos dois primeiros livros será nesta quarta-feira, dia 7, na Livraria da Vila/Jardins, em São Paulo.
Em 4 de junho, o lançamento será na Livraria Vanguarda, das 17 h às 20h30, em Pelotas (RS), terra natal da escritora Laura Matheus. Leiam mais sobre os dois livros no site cujo link está acima. Estão todos convidados!












Exposição e leitura na Livraria Cultura

Antonio Gedeão, Antonio Ramos Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Eugénio de Andrade, Dalila Teles Veras, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Herberto Hélder, Irene Lisboa, João Guimarães Rosa, Jorge de Sena, Manoel de Barros, Mario Quintana, Matilde Rosa Araújo, Sophia de Mello Breyner, Torquato Neto, Zeca Afonso.
Inspirada nesses poetas, a artista plástica
Constança Lucas inaugura a exposição Poetas Portugueses e Brasileiros Desenhos Digitais nesta segunda-feira, dia 5, às 19 horas, na Livraria Cultura/Artes do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2.073), em São Paulo. No vernissage, serão lidos trabalhos os poemas dos inspiradores da artista por: Carlos Lotto, Claúdio Willer, Constança Lucas, Dalila Teles Veras, Deise Assumpção, Donizete Galvão, Eunice Arruda, Luiz Roberto Guedes, Luíza Mendes Furia e Tarso Melo.
"Com estes 18 retratos revisitei alguns dos poetas cujos poemas me tocam profundamente. Da aproximação, da empatia poética, nasceram estes desenhos", diz ela no convite.
A exposição vai até o dia 25, de segunda a sábado, das 9 às 22 horas, e aos domingos e feriados, das 12 às 20 horas.
A mim me coube a dramática Florbela Espanca. Ainda não escolhi os poemas, mas vejam no post abaixo um dos que eu gosto, ilustrado por desenho digital de Constança.






Escreve-me!


Escreve-me... Escreve-me! Ainda que seja
[só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!" Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...


[extraído do site http://br.geocities.com/edterranova/florbelapoe.htm]