13.5.08

Boa leitura (3) Romance à moda francesa

Alta cultura domina "A Elegância do Ouriço"

Fenômeno editorial na França, onde já teve cerca de 850 mil exemplares vendidos, não seria preciso dizer que “A Elegância do Ouriço” é um romance cativante, daqueles que o leitor não consegue largar.

Seu charme reside na mistura de filosofia e literatura, no questionamento sobre o sentido da vida e a importância da arte, da música e do cinema para as pessoas de todas as classes sociais – embora, aqui, se trate de alta cultura. A autora, que é também professora de filosofia na Normandia, acaba compondo um retrato do modo de vida na França atual, que abrange preconceitos sociais, imigração, falta de perspectivas da juventude, ironizando, com humor, as idéias feitas, os lugares-comuns.

A história é narrada do ponto de vista de Renée Michel, zeladora cinqüentona de um palacete de apartamentos no número 7 da rue de Grenelle, em Paris, endereço que abriga gente rica e tradicional, e da garota Paloma Josse, de 12 anos e meio, almas gêmeas de classes diferentes, que acabam se aproximando cada vez mais no decorrer da trama, principalmente depois que se muda para o local um rico japonês, Kakuro Ozu, quebrando as rígidas convenções sociais dentro do condomínio.

Renée não é uma simples zeladora, apenas finge. Leva uma vida dupla: aquela em que aparece como o estereótipo da concierge – ignorante, feia e mal-humorada – e a outra, vivida longe dos olhos dos moradores e ao lado do gato, Leon – a de ávida leitora de grandes autores, sendo o maior Leon Tolstoi, fã de Mozart, da pintura holandesa e, em especial, de cinema japonês. De infância pobre e sofrida, verdadeira autodidata, ela não quer que descubram quanto é inteligente e informada.

Já Paloma é uma adolescente rica, filha de pai político, mãe doutorada em Letras, que se diz socialista e há dez anos vive à base de antidepressivos, e uma irmã que estuda filosofia, arrogante e esnobe como a maioria dos moradores. Superdotada, a menina também faz de tudo para esconder sua inteligência. O motivo? Para não lhe obrigarem a um destino convencional.

Cética e desencantada, é uma verdadeira filósofa de plantão (um personagem um tanto quanto inverossímil pela, digamos, maturidade de seus pensamentos em tão tenra idade), mantendo um “Diário de Pensamentos Profundos” e um “Diário do Movimento da Vida” – um destinado às questões do espírito; outro, aos do corpo. Resolveu escrever os diários com um objetivo: deixar registrado o que pensa até o dia de seus 13 anos, quando pretende pôr fogo no apartamento e se suicidar. Como a zeladora, demonstra fascínio pela cultura japonesa – lê mangás e cita haicais e tankas.

Nascida em Bayeux, na Normandia, em 1969, Muriel Barbery cursou a célebre École Normale Supérieure de Paris. Estreou na literatura em 2000, com o romance “Une Gourmandise”. “A Elegância do Ouriço” foi lançado na França em agosto de 2006 e em poucos meses se tornou um best-seller. Já em janeiro de 2007 a jovem cineasta Mona Achache, de 26 anos, comprou os direitos de filmá-lo, um projeto que está em andamento.


“A Elegância do Ouriço” - Muriel Barbery - Cia. das Letras, 352 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 7/3/2008