29.3.09

Las mujeres (6) - Concha

RECUERDO DE SOMBRAS

Sobre la blanca almohada,
más allá del deseo,
sobre la blanca noche,
sobre el blanco silencio,
sobre nosotros mismos,
las almas en su encuentro.

Sobre mi frente erguido
el exacto momento,
dices que en una sombra
vives en mi recuerdo.

Sínteis de las horas.
Tú y yo en movimiento
luchando viva a vida,
gozando cuerpo a cuerpo.

Dices que en estas sombras
vives en mi recuerdo,
Y son las mismas sombras
que están en mí viviendo.


(Concha Méndez - Madri, 27/7/1898-México, dezembro/1986 - in Poemas 1926-1986, Madrid: Hiperión, 1995 )

28.3.09

Boa leitura (19) - Nooteboom no país da alma


Espiritualidade permeia romance do holandês

A busca da humanidade ancestral, a perda da inocência, a solidão individual, o exorcismo de demônios interiores, o ceticismo e, perpassando a história, a figura do anjo e os versos do 12º canto do poema “Paraíso Perdido”, de Milton, aquele em que Adão e Eva são expulsos do Éden. Esses são os principais ingredientes deste novo romance de Cees Nooteboom, um dos mais importantes escritores holandeses da atualidade, que tem como cenário Brasil, Austrália, Holanda e Áustria

As protagonistas são duas brasileiras da alta burguesia, Alma e Almut (nomes bem sugestivos, irmãos na raiz), descendentes de alemães e moradoras dos Jardins, em São Paulo. Amigas desde a infância, embora de temperamentos bem diferentes, estudiosas de história da arte e interessadas na representação de anjos, viajadas, acalentam há anos o sonho de conhecer os aborígenes australianos. A decisão de ir, para “esconjurar um demônio”, ocorre depois de um acontecimento grave: o estupro de Alma nos arredores da favela de Paraisópolis (o paraíso no topônimo, mas representando um lugar infernal).

Assim, as duas partem e passam por várias aventuras atravessando os desertos, realizando trabalhos esporádicos para sobreviver, sem, no entanto, encontrar o povo místico que esperavam. Há um terceiro personagem fundamental: o crítico literário cético quase cinquentão Erik Zontag, convencido por sua namorada 18 anos mais jovem, aliás chamada Anja, a passar uma temporada num spa nos alpes austríacos para se livrar do alto consumo de álcool e ficar em forma. Lá ele reencontra alguém familiar, que em Perth, na Austrália, estava vestido de anjo numa performance teatral durante uma festa literária.

A trama, muito bem amarrada, mostra também que Nooteboom é “um estilista cuidadoso da prosa, com notável inclinação filosófica”, como sintetizou outro grande escritor contemporâneo, o sul-africano J.M. Coetzee, Nobel de Literatura de 2003.

Nascido em 1933 em Den Haag e eterno viajante, Nooteboom é também poeta, dramaturgo, tradutor e autor de relatos de viagem. Já esteve no Brasil várias vezes — em São Paulo, Manaus, Brasília e no Rio. Em julho, foi uma das estrelas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

“Paraíso Perdido” - Cees Nooteboom - Companhia das Letras, 160 págs., R$ 36,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 6/6/2008 e atualizado para o blog

19.3.09

Boa leitura (18) - Retrospectiva para além da galeria

Pintora revive o passado em romance de Margaret Atwood

Olho de gato pode ser a bola de gude preferida da personagem Elaine Risley quando menina. Ela a guardava separada de outras, na bolsa de festa. Azul, olhada contra a luz, produzia brilhos diferentes. Agora que Elaine, uma pintora, está na casa dos 50 anos, a bolinha pode simbolizar seu passado, trazendo-o de volta à luz quando ela retorna a Toronto, no Canadá, onde passou parte da infância e onde será homenageada com uma retrospectiva numa galeria. A história, as reminiscências e reflexões dessa mulher sensível, em crise existencial ao ver a velhice se aproximar, povoam este romance de
Margaret Atwood, a mais importante escritora canandense da atualidade.

Antes de se mudar para Toronto, quando Elaine tem 9 anos, a família — pai, mãe e um irmão — tinha uma vida nômade em razão da profissão do pai, entomologista pesquisador. Então ele se torna professor e eles passam a ter uma vida mais fixa. A garota, acostumada à liberdade, a andar de calça comprida, a não ir à escola e a brincar só com o irmão, se vê diante de um novo universo ao qual tem de se adaptar, no qual o feminino e o masculino são bem demarcados e onde ela toma contato com o consumismo, a inveja, a hipocrisia e a rigidez de comportamento.

Não é fácil. Essa menina criada de maneira anticonvencional para a época (fim da 2ª Guerra) sofre nas mãos de três amigas — Carol, Grace e, por fim, Cordelia —, que não perdoam seu jeito outsider de ser. Poética e contundente, Margaret entrelaça essa história às reflexões da Elaine adulta, mãe, casada duas vezes, que ainda busca a resposta para uma grande maldade que sofreu de Cordelia, de todas as amigas a mais amada, que ela nem sabe se está viva e tantos anos depois ainda é sua interlocutora interior e ao lado de quem gostaria de envelhecer.

Natural de Ottawa, Canadá, a escritora, de 67 anos, mora em Toronto e já teve outros nove livros publicados pela Rocco, entre eles “Madame Oráculo”, “A Vida antes do Homem” e “Negociando com os Mortos”.

“Olho de Gato” - Margaret Atwood - Rocco, 432 págs., R$ 49,50

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 17/8/2007