4.10.08

4 haicais inéditos

"Luar de Gohon-Matsu", de Kiyotika Kobayashi (1880)


Escrevi estes poemetos no ano passado. Gosto deles.


DESCANSO

Asa de papel,
vôo no tatami:
ave breve de origami.

PAISAGEM

Põe prata e pétalas:
assim esta noite
de luar da primavera.

BASHÔ REVISITADO

Nada de pimenta
que ganhou asas.
Uma libélula, apenas.

LUZ

Põe o verbo ir
em sua cauda
e fazem festa
os pirilampos.

Boa leitura (7) Os finos contos de Gonçalo M. Tavares


O criativo escritor português tem mais dois livros lançados no Brasil, “Histórias Falsas” e “O Senhor Walser”

Humor fino e elegância narrativa marcam as nove “Histórias Falsas”, do jovem escritor português Gonçalo M. Tavares, ganhador do Prêmio Portugal Telecom de 2007. O autor, que figura entre as revelações da literatura contemporânea, já tem vários livros publicados no Brasil e é conhecido aqui pela curiosa coleção “O Bairro”, que acaba de ganhar novo volume, “O Senhor Walser”.

Em “Histórias Falsas”, Tavares parte de episódios envolvendo filósofos — como Platão, Empédocles, Maquiavel, Montaigne — para compor narrativas em que a separação entre realidade e ficção é para lá de sutil. “Quando as escrevi, o que me interessava era, em primeiro lugar, exercer um ligeiro desvio do olhar em relação à linha central da história da filosofia; por outro lado, tinha curiosidade em perceber o modo como a ficção se pode encostar suavemente a um fragmento da verdade até a um ponto em que tudo se mistura e se torna uniforme”, escreve, ao apresentar o livro.

Essa mescla de verdade e ficção também dá o tom a “O Senhor Walser”, novo morador do “bairro” criado por Tavares, onde convivem vários intelectuais ilustres, como Bertolt Brecht e Italo Calvino, que já ganharam uma noveleta do engenhoso colega. Agora, ele se inspira no tímido e recluso escritor suíço Robert Walser (“O Ajudante”), uma das maiores influências de Franz Kakfa, para compor um personagem cativante e um tanto excêntrico — aliás, o único por enquanto a viver no meio da floresta, afastado do centro desse bairro de escritores e artistas.

“Histórias Falsas” e “O Senhor Walser” - Gonçalo M. Tavares - Casa da Palavra, 80 págs. e 53 págs., R$ 24 e R$ 21

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 12/9/2008

Homenagem a José Paulo Paes




Boa leitura (6) O escritor metido a chef


Julian Barnes e um de seus temas preferidos. Assim ele se apresenta: “O Pedante na Cozinha só quer fazer comida gostosa; sem envenenar os amigos”

Entre panelas, assadeiras, todo tipo de utensílios e engenhocas úteis e inúteis e centenas de livros de receitas, o romancista Julian Barnes conta suas aventuras — muitas vezes decepcionantes — diante do forno e do fogão neste “O Pedante na Cozinha”, seu segundo livro sobre o tema.

Nascido em Leicester, Inglaterra, em 1946, o premiado autor de “O Papagaio de Flaubert” e “Amor, etc.”, entre outros, conta como foram suas primeiras experiências culinárias, na época em que era ainda um estudante universitário fora de casa, nos anos 1960, e seus progressos ao longo da vida.

Erudito, bem-humorado e abertamente irônico, fala de todos os problemas por que passa um “chef” doméstico e exigente — no seu dizer “pedante” —, afeito a explicações precisas sobre medidas e temperaturas exatas de cozimento, das modas nessa área e tece comentários nem sempre agradáveis sobre chefs que estão em evidência na Europa, como o catalão Ferran Adrià, dono de um restaurante inovador em Barcelona, elBulli, e Heston Blumenthal, do The Fat Duck, em Bray, cidadezinha perto de Londres, este uma “rara mistura de supremo gastrotecnólogo que entende os repuxos e flexões de cada músculo e cozinheiro de imaginação bem rococó”.

Em meio a fatos engraçados, como o de encomendar um esquilo esquartejado numa casa de carnes orgânicas para experimentar e receber um esquilo inteiro e despelado, Barnes dá dicas e se solidariza o tempo todo com aqueles que querem, simplesmente, fazer uma comida gostosa e conta anedotas sobre a culinária britânica, os ingredientes, as brigas com designers de cozinhas e bons e maus conselhos sobre ser um bom anfitrião.

“O Pedante da Cozinha [como se denomina] não está interessado em saber se cozinhar é ciência ou arte; ele se conforma se for um hobby, como marcenaria ou reparos domésticos. Nem é um cozinheiro competitivo”, escreve. “Ele só quer fazer comida gostosa, nutritiva; sem envenenar os amigos.”

O único senão do livro são as referências a hábitos alimentares e carnes e verduras comuns na Grã-Bretanha, mas não existentes no Brasil — como couve-marinha, couve-nabo, pastinaca — e a livros tradicionais de receitas desconhecidos por aqui e muito utilizados por lá. Como se um autor brasileiro recomendasse a um inglês algo correlato ao “Comer Bem — Dona Benta”, por exemplo. Um detalhe, porém, que não chega a prejudicar o prazer da leitura.

“O Pedante na Cozinha” - Julian Barnes - Rocco, 142 págs., R$ 24,50

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 20/6/2008