23.11.11

a nova casa de saramago


Ficou pronta. As cinzas do escritor foram enterradas numa árvore defronte. A cerimônia de entrega das chaves está aqui

31.10.11

É hoje!


Veja tudo em: http://diadrummond.ims.uol.com.br/

18.5.11

No clima de Vila-Matas

Vila-Matas lança, hoje, aqui no Instituto Cervantes de São Paulo, o seu Dublinesca, precedido por um bate-papo. Com uma temperatura de primavera irlandesa [e também catalã] - cerca de 15ºC agora -, já vesti, sob o pulôver, a camiseta preta que comprei em maio de 2001 (ou seja, há dez anos) no Dublin Writers Museum, que estampa os seguintes nomes numa estante estilizada, em letras brancas: Joyce, Swift, Behan, Wilde, Shaw, O'Casey, Beckett e Yeats. Pelo que sei, no mínimo dois desses estão na trama do novo livro, que ainda não li. Acabo de ler (e de resenhar), no entanto, Breve História da Literatura Portátil, do mesmo autor. O texto foi publicado, com alguns cortes, há menos de uma semana, no EU&Fim de Semana do Valor. Mas... continuando. Tentei fazer um irish coffee para manter o clima e relembrar velhos tempos: no início de maio de 2001, tomei, às 10h30!, o primeiro autêntico irish coffee da minha vida, num local tradicional, The Red Fox Inn, a meio caminho entre Killorglin e a cidade cênica de Glenbeigh, no Ring of Kerry, Irlanda. Delícia. Infelizmente, o que fiz ficou fraco. Bah. Mas a camiseta vai sub-reptícia, digamos nas entrelinhas do meu vestuário, principalmente porque já está um tanto ruça. O bate-papo será às 20 horas. Vou de ônibus e descerei quase na porta, daqui a pouco. O horário é ingrato, mesmo que entre minha casa e o Instituto Cervantes, no fim da av. Paulista, a distância não chegue a 5 km. Enfim, me verei frente a frente com este que é um dos meus escritores favoritos e de quem só não li (na tradução em português) Viagem Vertical. Ainda "contaminada" pelo espírito dos portáteis, carrego dentro da bolsa o Breve História da Literatura Portátil, cujo exemplar é devidamente menor do que os outros publicados pela Cosac Naify, para ver se abiscoito um autógrafo. Depois eu conto.

14.8.09

Las Mujeres (8) - Josefina


TÚ EN EL ALTO BALCÓN...


Tú en el alto balcón de tu silencio,
yo en la barca sin rumbo de mi daño,
los dos perdidos por igual camino,
tú esperando mi voz y yo esperando.
Esclavo tú del horizonte inútil,
encadenada yo de mi pasado.
Ni silueta de nave en tu pupila,
ni brújula y timón para mis brazos.
En pie en el alto barandal marino
tú aguardarías mi llegada en vano.
yo habría de llegar sobre la espuma
en el amanecer de un día blanco.
Pero el alto balcón de tu silencio
olvidó la señal para mi barco.
Y me perdí en la niebla de tu encuentro
– como un pájaro ciego –, por los años.


(Josefina de la Torre - Las Palmas de Gran Canaria, 1907−Madri, 2002, in Medida del Tiempo, 1989)

Boa leitura (30) - Saramago em tempo real

O lado blogueiro do Nobel de Literatura

Saramago com a mulher, Pilar, que o incentivou a escrever num blog: “Sou um escritor livre que se exprime tão livremente quanto a organização
do mundo que temos lho permite”

Um escritor deve escrever bem, o melhor que puder, e “intervir, intervir e intervir”, como ressalta o Prêmio Nobel de Literatura de 1998, José Saramago, que já o fazia em tempo integral e agora se dedica a isso, pode-se dizer, em tempo real, no seu blog, hospedado no seu belo site. Pois seis meses dessa aventura quase diária pela “página branca da internet” — de setembro, quando inaugurou o blog, a março — acabam de render um livro nos moldes dos seus “Cadernos de Lanzarote”, intitulado, justamente, “O Caderno”.

Provocador, sarcástico, atento observador do que ocorre hoje no planeta, Saramago permanece fiel às ideias que vem defendendo há anos em artigos para a imprensa, entrevistas e, claro, nos seus livros. Seus posts, que tratam de variados assuntos e em especial de política internacional, já causaram polêmica. Um deles lhe rendeu um problema com sua editora na Itália, a Einaudi, do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Totalmente contra seu governo e suas atitudes, o escritor português o chamou de mafioso e delinquente.

“Sou um escritor livre que se exprime tão livremente quanto a organização do mundo que temos lho permite”, define-se, em texto que começa falando do nazista Adolf Eichmann e termina reprovando a cúpula vaticana.

O autor do conhecido “Ensaio sobre a Cegueira”, levado à tela sob direção do brasileiro Fernando Meirelles (a história do filme é comentada neste “Caderno”), também não esconde sua oposição ao presidente da França, Nicolas Sarkozy (diga-se de passagem, não oculta antipatias), e ocupa-se várias vezes em atacar George W. Bush.

É um frio analista da globalização, crítico contundente da condução da questão palestina por Israel, das guerras religiosas e da destruição do ambiente, entre outros problemas. Alerta que o que se chama, hoje, de democracia, não passa de uma “plutocracia que deixou de ser local e próxima para tornar-se universal e inacessível” aos povos. Esquerdista às vezes exagerado, não poupa nem mesmo os que têm a mesma opção política: “A esquerda continua sem ter uma puta ideia do mundo em que vive”.

Por outro lado, manifesta esperança em Barack Obama, fala de pessoas que lutam pela paz, de fatos autobiográficos, como sua visita ao Brasil em novembro, trata de literatura e tece grandes elogios para Chico Buarque e o jovem escritor português Gonçalo M. Tavares, para quem vaticina um Nobel daqui a 30 anos.

Incansável, Saramago continua a atualizar o blog. Já afirmou que vai haver um “Caderno II” ainda neste ano.


“O Caderno” - José Saramago - Companhia das Letras, 224 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 7/8/09

17.7.09

Boa leitura (29) - Obcecados pela própria morte


Vila-Matas põe o suicídio no centro da trama

O livre-arbítrio do homem para morrer pelas próprias mãos, a morte vista como ação afirmativa, o planejamento para que o suicídio seja bem-sucedido, os prós e contras de tal atitude analisados com frieza. Tal obsessão com o assunto pode levar a sérios transtornos psíquicos e, é claro, à morte; no entanto, transforma-se em matéria valiosa para um escritor altamente talentoso como o catalão Enrique Vila-Matas.

Irônico, mas lírico; ligeiramente cômico, mas certeiro na profundidade filosófica; dotado de uma imaginação excepcional, mas fino observador da psicologia humana — essas são algumas características de Vila-Matas, autor também dos excelentes “Bartleby e Companhia” e “O Mal de Montano” — que contemplam o fazer literário, o primeiro sobre escritores famosos ou imaginários que por um motivo ou outro desenvolvem um bloqueio para escrever e o segundo sobre um crítico seriamente obcecado por literatura, a ponto de não conseguir sobreviver fora de seu âmbito.

Este “Suicídios Exemplares”, lançado na Espanha em 1991 e o quinto livro dele a sair no Brasil — além dos já citados, a Cosac publicou “A Viagem Vertical” e “Paris não Tem Fim” —, “é um Vila-Matas em estado puro”, segundo ele próprio. “É um livro respeitado até por meus inimigos”, garante o premiado escritor em entrevista reproduzida no seu site.

O tédio, a paixão não correspondida, o medo de se expor, a sensação de fracasso, a vontade de desaparecer e, principalmente, de mudar de vida, são os fios condutores das dez narrativas, em que os personagens cogitam se matar de várias formas, incluindo as mais delirantes — da bala na cabeça ao uso de uma parafernália instalada numa cripta para captar um raio durante uma tempestade e ser fulminado por ele; do salto de torre à explosão dentro da catedral de Barcelona.

Na maioria dos casos, porém, acabam não se matando por obra do acaso (o mais engenhoso, que planejava ser atingido pelo raio, morre de ataque cardíaco pouco antes de se matar). A desistência também tem seu peso. Ela já aparece, por exemplo, no primeiro conto, passado em Lisboa, no qual um homem decide aguardar pelo tempo que for necessário o dia de morrer, “praticando a saudade” diante do horizonte, “sabendo que à morte lhe cai bem a tristeza leve de uma severa espera”.

Como bem observa o escritor Alan Pauls sobre o livro, o que na verdade se revela a Vila-Matas é a possibilidade do suicídio, “essa faísca de mistério regozijante com a qual o projeto de um morrer original, ou tortuoso, ou sofisticado, ou cruel, acende uma vida apagada e a faz reviver, tornando-a tensa de energia, excepcional, apaixonante”.


“Suicídios Exemplares” - Enrique Vila-Matas - Cosac Naify, 208 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 29/5/09

13.7.09

Boa leitura (28) - À escrivaninha com Manguel

Novos ensaios do autor argentino-canadense

Manguel, ao lado, em foto de Philippe Matsas: “O mundo é uma biblioteca de signos, um arquivo de textos misteriosos, uma galeria de imagens incitantes”

Foi, com certeza, ao percorrer as extensas prateleiras na solidão noturna de sua biblioteca — erguida a partir do muro de um antiquíssimo celeiro numa aldeia francesa — que o escritor argentino naturalizado canadense
Alberto Manguel mergulhou em reflexões e elaborou as considerações deste “À Mesa com o Chapeleiro Maluco — Ensaios sobre Corvos e Escrivaninhas”.

Os 27 textos foram possivelmente escritos de manhã, como é seu costume, revelado em “A Biblioteca à Noite”, de 2006, ano, aliás, em que publicou também estes ensaios sob o título “Nuevo Elogio de la Locura”, numa alusão à obra do filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1466-1536), para quem a loucura é “o alegre extravio da razão”.

A “loucura” tratada por Manguel, porém, nada tem a ver com a que foi analisada pelo pensador medieval e a primeira pista são as epígrafes e ilustrações dos ensaios, grande parte retirada de “Alice no País das Maravilhas” e “Alice através do Espelho”, de Lewis Carroll. Ela está ligada à mais pura criatividade artística, ao mundo onírico, ao nonsense, à literatura — tudo isso organizado pelo que chamamos de cultura —, embora o prefácio, feroz, convide o leitor à lucidez diante do mundo atual — com seu consumismo desenfreado, a destruição ambiental, a corrupção política, o fanatismo religioso e tantos outros problemas.

Há, ainda, outros dois ensaios — “Como Pinóquio Aprendeu a Ler” e “A Aids e o Poeta” — nos quais, ao tratar de seu tema preferido, a leitura, o autor aborda, no primeiro, questões educacionais e, no segundo, a doença, a crueldade e a ganância capitalista.

De resto, retoma temas que fizeram o deleite de muitos leitores em “Uma História da Leitura” (1996), “Os Livros e os Dias” (2004) e “A Cidade das Palavras” (2007), entre eles uma história do ponto final e outra da página. Discute, ainda, assuntos como genialidade, ambição, sucesso, falsificações literárias — a começar por um poema “em estilo abominável” atribuído a Jorge Luis Borges que até hoje circula pela internet — e dedica textos aos escritores que admira desde sempre, como Júlio Verne, Robert Louis Stevenson, Conan Doyle, H.G. Wells, Richard Burton e Alejandra Pizarnik.

A “leitura” da obra de Van Gogh e a da impressionante catedral da Sagrada Família, em Barcelona, projetada por Antoni Gaudí, também ocupam algumas páginas. Afinal, segundo Manguel, “tal como o reconhecemos desde o momento em que nascemos, o mundo é uma biblioteca de signos, um arquivo de textos misteriosos, uma galeria de imagens incitantes, algumas arbitrárias ou casuais, outras deliberadamente criadas, que sentimos dever decifrar e ler”.


“À Mesa com o Chapeleiro Maluco” - Alberto Manguel - Companhia das Letras, 248 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 19/6/09

3.7.09

Boa leitura (27) - Todos os caminhos levam a Paris

A “capital dos parísios” em obra monumental


Pont Neuf, a "Torre Eiffel do Ancien Régime”: “Você já viu Paris em imaginação — e provavelmente passou a amá-la”, escreve historiador

Da antiga Lutécia à atual Paris, com uma passagem pela pré-histórica e enigmática Bercy. A “capital dos parísios”, como a chamou o imperador romano Juliano em 358, pulsa em constante evolução — daí ganhar, como um ser vivo, uma “biografia” do historiador inglês Colin Jones, não uma simples história.

Professor na Universidade de Londres Queen Mary e especialista na França, Jones escreveu esta obra monumental não para seus colegas, mas para as pessoas que, a exemplo de milhões de outras ao longo dos séculos, são fascinadas pela Cidade Luz, conhecendo-a de perto ou não. Pois, como registrou o escritor italiano Edmondo De Amicis, em frase usada como uma das epígrafes do livro, “nunca vemos Paris pela primeira vez; sempre a vemos de novo” — de tanto que ela foi descrita, retratada e evocada em romances e outros livros, pinturas, músicas e, mais recentemente, filmes.

“Durante séculos, Roma e Londres atraíram hinos e louvores, mas também causaram bastante desapontamento e desilusão”, escreve o historiador. “Nova York pareceu ganhar importância apenas no século XX. Se você quiser, pode conhecer Nápoles e morrer, mas não precisa ver Paris com os próprios olhos, pois, como explicou De Amicis, você já a viu em imaginação — e provavelmente passou a amá-la.”

Autor do elogiado “The Great Nation: France from Louis XV to Napoleon”, Jones põe os leitores em contato com dois mil anos de história parisiense em ordem cronológica e linguagem clara e fluente. Passam diante dos olhos as paisagens antigas e atuais dessa cidade que se espraiou em espirais a partir de seu coração, a Île de la Cité, chegando aos 20 “arrondissements” de hoje, circundados desde os anos 60, por sua vez, por um “boulevard périphérique”. Nesse espaço se desenrolaram guerras, revoluções, manifestações como a de maio de 1968, mas também se lançaram e ainda se lançam ideias, modas, movimentos culturais e científicos propostos tanto por franceses como por estrangeiros que adotam a cidade e são adotados por ela.

Assim, vários fatos e personalidades ganham destaque em janelas cinza abertas em meio aos capítulos. Nelas figuram temas como a vida do pouco lembrado Robert de Sorbon, fundador da célebre Sorbonne; as modificações por que passou o Louvre; a construção da Pont Neuf, “a Torre Eiffel do Ancien Régime”, e da própria torre; a atuação de Rose Bertin, estilista de Maria Antonieta; e o fascínio dos americanos por Paris simbolizada pela figura de Josephine Baker, que cantava “J’ai deux amours, mon pays et Paris”.

Ao final, e admitindo ser praticamente impossível dar conta de uma história completa, Jones fala do futuro de Paris, de problemas que ela vem enfrentando e dos projetos para este século. Ilustrações em preto-e-branco, mapas, glossário, dados sobre prédios característicos e a população — hoje de pouco mais de 2 milhões de pessoas — e guia bibliográfico completam a edição. Bon voyage!


“Paris: Biografia de uma Cidade” - Colin Jones - L&PM, 592 págs., R$ 94,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 5/6/09

28.6.09

Mora Fuentes, a fábula de um rumo

José Luis Mora Fuentes
(Valencia, España, 9/10/1951 - Campinas, Brasil, 13/6/2009)


"As coisas sem conta que se acumulam por toda uma vida eu as perdi em algum lugar. Agora em mim, apenas um desejo antigo de finitude. Nem por isso o tempo à minha frente deixa de se fazer extenso desordenado. Tento me convencer que sempre surgirão novas possibilidades. E é por isso que manhoso, inventariando ilusões, oposto à verdade, aguardando espantos, exausto sim, como quando chegamos ao mais alto do monte que subimos, extraviado dos homens, naufragando impune nas invenções da vida, aqui estou. E pela milésima vez eu recomeço e recomeço e me refaço."


(in "Fábula de um Rumo" - Mora Fuentes, Moderna, 1980)

Foto: Mora Fuentes em janeiro de 1991 na Casa do Sol, em Campinas - álbum de família

Boa leitura (26) - Um outsider corroído pela fome

Obra mais célebre de Knut Hamsun é reeditada

Faminto, oscilando entre o delírio e a razão, sensível e com todos os sentidos exacerbados por dias e dias de jejum forçado, um jovem escritor vagueia pela Oslo do fim do século XIX (ainda chamada Cristiânia) em busca de realização. Algumas vezes consegue um pouco de dinheiro escrevendo artigos para um jornal, mas no restante do tempo vive na miséria. Vai empenhando aos poucos até a roupa do corpo para obter uns trocados e o único e velho cobertor de que dispõe lhe foi emprestado por um estudante de teologia. Não tem amigos, nem mulher, nem família, ao que tudo indica. E muito raramente consegue o apoio de alguém.

Essa é a triste vida do personagem mais famoso do Nobel de Literatura de 1920, o norueguês Knut Hamsun (1859-1952), em “Fome”, que ganha reedição com a tradução de ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, feita nos anos 60 para a “Coleção Prêmio Nobel”, da editora Delta.

Escritor de quase 40 livros, mais conhecido no Brasil a partir da década de 40 — quando saíram “Um Vagabundo Toca em Surdina” e “Frutos da Terra”, entre outros —, e analisado agora a distância, Hamsun foi um modernista de primeira hora.

Já em 1890, quando “Fome” foi lançado, escolheu um estilo cuja criação mais tarde lhe seria atribuída, o do fluxo de consciência, na tentativa de descrever fielmente ao leitor as sensações físicas e psíquicas do personagem. Este é um autêntico outsider, um homem que mais sonha do que age e às vezes mostra um comportamento nos limites da loucura. O autor, porém, não permite que ele perca a dignidade ou se afunde na depressão e acaba por deixar uma porta aberta para a esperança.

Com fortes tintas autobiográficas, o romance mostra também as dificuldades de sobrevivência daqueles que optam por se dedicar apenas à literatura — um ofício que, além de normalmente ser mal valorizado, requer um tempo de trabalho muito diferente do necessário à maioria das profissões.

O próprio Hamsun, aliás, é um capítulo à parte. Teve uma vida conturbada, cheia de aventuras, na Europa e nos Estados Unidos. De família pobre, não frequentou escolas e exerceu profissões das mais diversas, tais como lenhador, marinheiro e jornalista. Gostava de ler e aos 18 anos conseguiu publicar seu primeiro livro, “Den Gaadefulde” (O enigmático). À semelhança de seu personagem, também parecia um tanto louco, além de controvertido e excêntrico. Conta-se que no dia em que recebeu o Nobel perdeu o cheque no meio do caminho para o hotel.

Quando a Alemanha invadiu a Noruega na Segunda Guerra, não hesitou em apoiar Hitler e presenteou seu ministro da Propaganda, Josef Goebbels, com nada menos que sua medalha do Nobel. No pós-guerra foi preso por suas ideias políticas e internado numa clínica psiquiátrica. Passou por um período de ostracismo, mas em 1949, aos 90 anos, publicou um livro defendendo sua posição política e voltou a ter sucesso.

“Fome” - Knut Hamsun - Geração, 176 págs., R$ 29,90

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 15/5/09

19.6.09

Boa leitura (25) - Uma obra clássica sobre o modernismo


O historiador Peter Gay faz um estudo definitivo do movimento

Modigliani (à esq.) e Picasso com o crítico de arte André Salmon em frente do Café de la Rotonde, em Paris - a foto foi tirada por Jean Cocteau em 12 de agosto de 1916

“É assim que se inicia o modernismo, não com um lamento, mas com uma forte emoção”, escreve Peter Gay, historiador alemão radicado nos Estados Unidos, referindo-se à poesia de Charles Baudelaire, para ele “o primeiro herói” do estilo, nesta obra monumental, possivelmente definitiva, sobre um movimento artístico abrangente, rico e duradouro, que mudou o modo de a humanidade tratar a arte e começou muito antes do que ensinam na escola.

Seu objetivo “não é montar um amplo catálogo de todas as áreas e grandes figuras do modernismo, e sim examinar sua presença na cultura e descobrir, se possível, se elas se aglutinam numa mesma entidade cultural”, como diz no prefácio. Também ali ele revela que suas interpretações partem de uma perspectiva freudiana; afinal, Freud era a vanguarda da medicina da época. “A técnica psicanalítica de incentivar a livre associação em seus pacientes era o equivalente do pintor impressionista saindo ao ar livre ou do compositor modernista abandonando os bemóis e sustenidos tradicionais”, justifica o autor de “Freud: uma Vida para o Nosso Tempo” e “A Educação dos Sentidos”.

O historiador entende que o estilo começou a aparecer nos anos 1870 — portanto, engloba o impressionismo, na pintura, e o simbolismo, na literatura —, e trata seus defensores já como modernistas, por sua atitude contestadora da estética, da moral e do comportamento de então e suas propostas artísticas inovadoras, daí a “heresia” do subtítulo da obra.

Antes de mergulhar nos detalhes desse imenso período, agrupados em três partes — “Fundadores”, “Clássicos” e “Finais” —, Gay escreve sobre o “clima de ideias, sentimentos e opiniões” vigente em especial em Paris, esboçando um painel da situação socioeconômica, política e até religiosa que vai de meados do século XIX até a década de 60.

“As obras modernistas só podem ter surgido num estágio avançado da civilização ocidental, numa época em que certos hábitos e atitudes sociais funcionavam a seu favor”, explica. Foi um fenômeno urbano e de expansão intimamente ligada à da economia e, além disso, bancado pela elite burguesa, embora destinado justamente a chocá-la.

Depois da contextualização, Peter Gay se aprofunda em cada área: pintura e escultura; literatura; música e dança; arquitetura e design; teatro e cinema. Todos os grandes criadores num período que cobre cerca de cem anos merecem sua atenção, entre os quais Monet, Gauguin, Duchamp, Picasso — cuja definição para a arte moderna, “uma soma de destruições”, ele adota.

Já o capítulo dedicado à literatura gira em torno de Henry James, James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust e Franz Kafka. “Ninguém forçou tanto os limites do costumeiro como eles — a não ser os compositores modernistas”, argumenta. Os músicos de vanguarda daquela época, aliás, continuam a sê-lo, Gay afirma, já que até hoje não fazem parte da corrente estética dominante, como ocorreu com a pintura e a literatura.

Assim, Arnold Schoenberg e Igor Stravinski, os grandes do século XX, ao lado de “titãs menores” como Alban Berg e John Cage, continuam a ser ouvidos por uma pequena elite. Já em relação à dança, ele dá relevo à parceria Stravinski-George Balanchine e à coreógrafa Martha Graham, “a incontestável grã-sacerdotisa da dança moderna”.

Em termos de arquitetura e design, sua atenção se detém em Frank Lloyd Wright, Mies van der Rohe, Le Corbusier e na Bauhaus.

Há ainda o teatro, assolado pelas loucuras de Alfred Jarry e pelas inovações radicais de August Strindberg. Embora haja objeções quanto à inclusão do cinema no espectro modernista, Gay não deixou de fora a revolução que esse meio representou e analisa sua história.

Como se ainda não bastasse, o autor dedica a parte final à perseguição política de direita e de esquerda sofrida pelos modernistas, que os levou a trocar a Europa pelos EUA, onde tudo parece ter terminado, com a ascensão da pop art e o crescimento da indústria cultural.

Ele duvida, no entanto, desse fim. E abre um debate sob o título “Vida após a morte?” Pois vê indícios de um renascimento modernista na obra literária de ninguém menos que Gabriel García Márquez e na arquitetura de Frank O. Gehry, entre outros. Os argumentos para essa apaixonante discussão estão exatamente nas páginas deste livro.


“Modernismo — O Fascínio da Heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco” - Peter Gay - Companhia das Letras, 600 págs., R$ 64,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 17/4/2009

29.5.09

Boa leitura (24) - Um jovem catalão em Paris


O fascínio que Paris exerce sobre artistas e escritores não tem fim. O catalão Enrique Vila-Matas (ao lado no "exílio" parisiense, em 1974, imagem pinçada de seu site) também não ficou imune a essa sublime obsessão. Seu início de carreira na capital francesa faz o deleite dos leitores neste autobiográfico “Paris não Tem Fim”, título roubado de um capítulo de “Paris É uma Festa”, escrito por um ídolos de juventude do escritor, Ernest Hemingway. Nessas memórias, publicadas depois de seu suicídio, o americano escreve sobre o período em que também lá viveu, quando era “muito pobre e muito feliz”. Irônico, Vila-Matas resolveu escrever sobre seu auto-exílio de dois anos, na década de 1970, quando “era muito pobre e muito triste”.

A ironia, aliás, é a tônica da obra, construída na forma de uma conferência de três dias. Nela, o escritor nascido em 1948 em Barcelona conta como vivia no sótão que alugou na casa de Marguerite Duras, para onde levou escrivaninha, cadernetas, dois lápis, um apontador e uma máquina de escrever, pronto a compor o livro “A Assassina Ilustrada”.

A própria água-furtada tem certo charme histórico: antes dele, abrigou um travesti chamado Amapola, uma atriz búlgara e até o futuro presidente francês François Mitterrand, que se refugiou lá por uns dias, durante a Segunda Guerra. O protagonista pode viver da mesada do pai, mas freqüenta festas, cafés e reuniões com muita gente do meio intelectual e artístico local, sejam franceses ou estrangeiros. Muitos lhe vêm por meio de Marguerite, que, aliás, põe nas mãos do rapaz uma apostila sobre como escrever um bom romance que ele tem dificuldades em seguir à risca. Esforça-se não só para se tornar um escritor, mas para viver como um deles e relata que, ridiculamente, fazia pose de intelectual, fingindo ler, à mesa dos cafés da Rive Gauche, obras importantes e de autores malditos.

Trata-se de um “escritor de escritores e sobre escritores”, como bem observa Cassiano Elek Machado na apresentação da obra. Basta ler os altamente recomendáveis “Bartleby e Companhia” e “O Mal de Montano”, também publicados pela Cosac Naify. Autor de 17 livros e detentor de prêmios literários importantes, como o Ciudad de Barcelona (2001), o Médicis (2003) e o da Real Academia Española (2006), Vila-Matas continua fiel a Paris, que visita entre quatro e cinco vezes por ano.

Em recente entrevista, ele contou que durante muito tempo ficou longe da cidade, mas agora recobrou a Paris que havia perdido, assim como a juventude, ao dedicar-se a este livro. “Foi uma grandíssima idéia ironizar minha juventude. O livro me foi de uma utilidade imensa, porque consegui resolver todo problema de frustração ou de nostalgia. E, mais que isso, eu e Paula de Parma [sua mulher] sempre planejamos viver em Paris. Quando estamos lá, nos sentimos em casa. Tenho a sensação de jamais ter me mudado dessa cidade.”


“Paris não Tem Fim” - Enrique Vila-Matas - Cosac Naify, 248 págs., R$ 45,00

Publicado no caderno "EU&Fim de Semana" do jornal "Valor" em 29/2/2008