29.3.07

O trapezista e o equilibrista

Trapezista


De que maneira chegaremos
às brancas portas da Via-Láctea?

Será com asas ou com remos?
Será com os músculos com que saltas?

Leva-me agarrada aos teus ombros
como um cendal para agasalhar-te!

Seremos pássaros ou anjos
atravessando a sombra da tarde!

Deixaremos a terra juntos
e justapostos como metades,

sem o triste pó dos defuntos,
sem qualquer bruma que enlute os ares!

Sem nada de humanos assuntos:
muito mais puros, muito mais graves!

(Cecília Meireles, in Jogos Olímpicos)

O equilibrista


Essencialmente equilíbrio:
nem máximo nem mínimo.

Caminho determinado
movimentos precisos sempre
medo controlado máscara
de serenidade difícil.

Atenção dirigida olhar reto
pés sobre o fio sobre a lâmina
ser numa só idéia nítida
equilíbrio. Equilíbrio.

Acaba a prova? Só quando
o trapézio oferece o vôo
e a queda possível desafia
a precisão do corpo todo.

Acaba a prova se a aventura
inda mais aguda se mostra
mortal intensa desumana
desequilíbrio essencialmente.


(Orides Fontela, in Transposição)




(re)lendo Orides




Ode
E enquanto mordemos
frutos vivos
declina a tarde.
E enquanto fixamos
claros signos
flui o silêncio.
E enquanto sofremos
a hora intensa
lentamente o tempo
perde-nos.

O gato

Na casa
inefavelmente
circulam olhos
de ouro

vibre (em ouro) a
volúpia
o escuro tenso
vulto do deus sutil
indecifrado

na casa
o imperecível mito
se aconchega

quente (macio) ei-lo
em nossos braços:
visitante de um tempo sacro (ou de um não tempo).



(in Poesia Reunida [1969-1996], 7letras/CosacNaify)

11.3.07

Mentiras sobre Hilda Hilst

A minha raiva atingiu picos mais violentos e insuportáveis do que este verão de terra febril. Por isso, esperei que baixasse um pouco. O motivo foi um texto pretensamente biográfico escrito por um certo Antonio Naud Júnior para a Cult e divulgado na internet.

Trata-se de um texto eivado de mentiras, criado, mais uma vez, por seu autor, para autopromoção e com o título sensacionalista de "A Poeta Que não Sabia Amar". Já que a Hilda, infelizmente, não está aí para se defender, ficou fácil divulgar infâmias sobre ela. O referido Naud, a quem todos os amigos de Hilda conhecem por Maron, sobrenome que ele, com seu caráter viperino, retirou de sua assinatura - para ver se consegue deixar na dúvida quem sabe por que ele foi expulso da casa de Hilda e do emprego que ela arranjou para ele com um amigo, político ainda bastante importante -, já tinha tentado agredir Hilda com um panfleto mimeografado também mentiroso sobre a vida na Casa do Sol (que enviou ao importantes meios de comunicação, no início dos anos 90, para provocar escândalo, mas não obteve o mínimo sucesso). Panfleto, aliás, que ele insiste, no texto da Cult, de chamar de "ensaio" (quaquaquaquaquá!!!). Só alguém que não conheceu Hilda desconhece a enorme capacidade que ela teve de AMAR seus VERDADEIROS amigos, assim como todos os bichos e a natureza.

O sr. Naud inventa gostos para ela (o livro dela preferido era "O Morro dos Ventos Uivantes"? Quaquaquaquaquá!!! Deve ter sido alguma gozação que o "insigne biógrafo" não entendeu...), inventa situações e é altamente suspeito que tenha em mãos uma carta de Drummond para Hilda - que acreditava tanto na honestidade de quem a procurava que franqueava sua casa a muita gente desonesta, muita gente que acabou subtraindo dela livros e objetos pessoais. A carta será mesmo de Drummond? No caso de ser, como é que esse sr. a tem?

Agora, o que é pior: o bando de patetas que comenta o texto, levando-o a sério. Não adiantou nem o direito de resposta (reproduzido entre os comentários do website da Cult) dado ao escritor José Luís Mora Fuentes, ele sim um grande amigo de Hilda e um de seus herdeiros, presidente de uma instituição que visa a manter viva a memória e alguns sonhos da escritora.

Tem gente que quer criar para si uma imagem de Hilda (por não ter tido o privilégio de conhecê-la pessoalmente e privar de sua intimidade) e acreditar piamente em qualquer mentira que apareça na mídia. Esses, a propósito, têm especial preferência por uma Hilda que pareça prostituta, louca, desencontrada (pois assim podem se identificar melhor com ela, não é?). Iludam-se, iludam-se, sim. Hilda não gostaria de ter leitores tão idiotas.
Mas, talvez, pode ser que haja leitores bem-intencionados no meio disso tudo. Pois bem: se dessem atenção à própria OBRA da Hilda, veriam (os inteligentes, é claro), que o "artigo" do sr. Naud, esse importantíssimo intelectual baiano, é pura blasfêmia. É pura calúnia (pensando bem, será que ele consegue escrever algo diferente?).

Um poeta que não sabe amar não existe. Um poeta que, aparentemente, não soubesse amar NUNCA escreveria a obra de GÊNIO que Hilda deixou.

Ao sr. Naud certamente cai como uma luva aquela frase escrita por Hilda em "A Obscena Sra. D": "Livrai-me, senhor, dos abestados e dos atoleimados."

(Datilografando para Hilda "O Caderno Rosa de Lori Lamby", agosto de 1988)

5.3.07

De "Vênus em Escorpião"

XXIV

Amor
amora que sabes
já sem sumo
palavra gasta
bagaço

os corações da romã
dilacerados
um a um
nos pomares
de outros braços.






(Do meu Vênus em Escorpião, um livro de tiragem limitada. Pintura: Black Line, de Kandinsky)

Kiki, Anaïs, Khayyam




Ela é o temperamento forte da casa, a própria "artista" que gosta de se exibir - Kiki (em cima). Ela é uma delicadeza, mas insuspeitadamente ciumenta; silenciosa e tímida - Anaïs (no meio). Ele é levado como toda criança saudável, sociável e brincalhão, parece que vai ser como a "irmã" mais velha. Ele é o Khayyam.
Voici mes trois chats.







4.3.07

Livros, livros, livros a mancheias!


Há dois meses sem atualizar este blog... É que algo anda me ocupando muito: voltei a escrever sobre livros na imprensa. Voltei ao suplemento Eu&Fim de Semana do jornal Valor, que sai toda sexta-feira. Desde meados de janeiro uma pilha deles já passou pelas minhas mãos e não dou conta de ler tudo! Mas posso recomendar os que achei bons: Eric e Enide e Milênio, do Vázquez Montalbán; Viagens no Scriptorium, do Paul Auster; O Gênio Feminino - Colette, de Julia Kristeva; Contracultura através dos Tempos, de Ken Goffman; Meu Pescoço É um Horror, de Nora Ephron (esse para senhoras acima dos 50, de preferência para passar o tempo numa viagem de avião, como observou uma conhecida minha); A Casa do Sono, de Jonathan Coe (este indicado para aquelas leituras antes de dormir) e outros que mal consegui ler inteiros, mas me despertaram grande interesse: Sobrados e Mucambos, do Gilberto Freyre; As Américas e a Civilização, do Darcy Ribeiro; Salônica, de Mark Mazower. Gostam de Guerra? Tem A Conquista da Honra, de James Bradley (que inspirou o filme do Clint Eastwood); e Hitler e o Resgate de Mussolini, de Greg Annussek. Nesta semana, vou escrever sobre o Pesadelo Refrigerado, de Henry Miller; e Cântico de Sangue - Crônicas Vampirescas, de Anne Rice. Estou curiosa para ler O Homem Deus, de Luc Ferry. Tem outros, mas haja tempo (e olhos descansados)!

Por tudo isso, perdoem a falta de periodicidade desta escriba... O lítera-mundi vai continuar!
Abraços a todos.
P.S.: a bela pintura acima é de Oleg Zhivetin e se chama Poem Reader.

O "Rilke Shake" da Angélica





Pessoal: o livro da Angélica é imperdível! Quem não estiver no Rio ou em São Paulo, trate de encomendar um...

Lançamento

Rilke shake, Angélica Freitas

a cadela sem Logos, Ricardo Domeneck
20 poemas para seu walkman, Marília Garcia


Revista Inimigo rumor 19
Revista Ficções 16


Atos de repetição, Valeska de Aguirre
Poemas do front civil, Ariosto Teixeira


Rio de Janeiro:
Sábado, 10 de março, às 10h
Livraria Berinjela
Av. Rio Branco, 185 – Subsolo – Loja 10
Tel (21) 2215-3528

São Paulo:
Segunda-feira, 12 de março, às 20h
Bar Balcão
R. Dr. Melo Alves, 150
Tel (11) 3063-6091